O Ministério Público Federal (MPF) emitiu recomendação para que o governo de Sergipe suspenda o “Programa Minha Terra – Regularização fundiária rural e garantia de direitos”. O programa tem oferecido regularização de terras no município de Brejo Grande, que tem 70% do território reconhecido pelo governo federal como terras remanescentes de quilombo.
Na região, vivem cerca de 486 famílias da comunidade Quilombola Brejão dos Negros, de acordo com o Censo 2022. A recomendação enfatiza que a ação do governo do estado aumenta o risco de violência por disputas de terras na região, que registra conflitos há décadas.
Nesta sexta-feira, 23, o governo do estado realizou uma ação de cadastro de posseiros para regularização de terras em Brejo Grande. Na ocasião, a procuradora da República Gisele Bleggi entregou ao governador Fabio Mitidieri recomendação do MPF, elaborada após denúncia de representantes da comunidade Brejão dos Negros sobre o programa de regularização de terras no município. O chefe do Executivo se comprometeu a encaminhar a recomendação à Procuradoria-Geral do Estado para resposta ao MPF.
O documento destaca que, além do processo de titulação do território quilombola pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o município também integra um procedimento administrativo da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para demarcar novamente todas as áreas da União em Sergipe, incluindo todo o Rio São Francisco. A previsão é que o procedimento seja concluído no segundo semestre de 2025. De acordo com a recomendação, os processos administrativos revelam nítido interesse federal nesse território.
Segurança
A procuradora da República Gisele Bleggi explica que a preocupação do MPF é evitar conflitos na área e garantir a segurança das famílias de Brejão dos Negros. Há lideranças da comunidade incluídas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) e os relatos de ameaças e invasões no território quilombola são recorrentes há décadas. Essas denúncias se intensificaram desde novembro de 2023, quando foi publicada a portaria do Incra que reconheceu o território e iniciou o processo de titulação definitiva da área para a comunidade.
A intervenção precária do estado de Sergipe na região estimula ainda mais incidentes entre as partes envolvidas, de acordo com a procuradora da República. “A deflagração de uma campanha de regularização de terras na região pode aumentar o conflito fundiário e a violência contra povos tradicionais”, completa Gisele Bleggi.
A recomendação foi encaminhada também para a Procuradoria Regional Eleitoral, para investigação de possível crime eleitoral, pelo período em que a ação de regularização fundiária está sendo implementada.
O documento estabelece prazo de 15 dias corridos para que o governo do estado se manifeste sobre o cumprimento da recomendação. O MPF registra que, em caso de descumprimento sem justificativa, pode adotar as medidas judiciais ou extrajudiciais cabíveis.
O que diz o Governo de Sergipe
O Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado da Agricultura, Desenvolvimento Agrário e da Pesca (Seagri), informa que tem conhecimento da existência de uma demanda por território no povoado Brejão dos Negros, assim como da existência de terras da União (Governo Federal). “Por isso foram encaminhados ofícios para Secretaria de Patrimônio da União (SPU), Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual informando que o município de Brejo Grande passaria pelo processo de estudos e levantamentos fundiários com objetivo de identificar especificamente as áreas devolutas do Estado”, diz em nota.
Ainda segundo a administração estadual, no momento, o Estado de Sergipe, por meio da Seagri e a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), está realizando o levantamento preliminar das áreas. Ressalta ainda que não é objeto do programa atuar em áreas efetivamente tituladas pela União e as áreas que são reconhecidas e homologadas pela SPU.
“Serão feitos geocadastros com toda documentação do produtor e sua família, identificando a posse, levantamentos fundiários junto ao cartório de registro de imóveis, consulta à SPU para identificar as áreas que são da União, visando identificar as áreas de interesse do Estado, que são as áreas devolutas”, finaliza o comunicado.