Juristas defendem incluir motivação política na Lei Antiterrorismo em vigor desde 2016; entenda
Ao falar sobre o homem-bomba, em coletiva de imprensa, o próprio diretor-geral da PF disse, na última quinta-feira, que a lei poderia passar por melhorias, apesar de ter caracterizado o texto como “bom”
Por Luísa Marzullo — Rio de Janeiro
18/11/2024 03h30 Atualizado há 4 horas
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Militares isolaram área em frente ao STF para fazem perícia e varredura próximo ao corpo do suspeito de ataque com bombas ao Supremo
Militares isolaram área em frente ao STF para fazem perícia e varredura próximo ao corpo do suspeito de ataque com bombas ao Supremo — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
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Levantada pelo diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, a possibilidade de enquadrar o ataque de Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, que se explodiu na Praça dos Três Poderes, na última quarta-feira, em Brasília, como ato terrorista não encontra respaldo jurídico. O GLOBO ouviu oito juristas sobre o tema e eles ressaltaram que motivação política não está prevista na Lei Antiterrorismo. A PF apura se houve participação de outras pessoas.
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Aprovada em março de 2016, a lei 12.360 foi sancionada pela então presidente Dilma Rousseff (PT) sem colocar, propositalmente, a motivação política no texto. A pauta foi amplamente discutida no Congresso Nacional, onde parlamentares defendiam que a hipótese poderia criar uma “mordaça”. O receio era de que a lei fosse usada para perseguir adversários políticos. O próprio texto sancionado traz uma justificava:
“(Terrorismo) não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais”, diz trecho da legislação.
Etnia, cor, religião
O terrorismo é definido na lei como uma prática que teria a finalidade de atingir um grupo em razão do preconceito de raça, etnia, cor, religião ou xenofobia. Os juristas ouvidos defendem a revisão dessa legislação, considerada restritiva, para que casos como o ocorrido na última quarta-feira em Brasília sejam incluídos.
Ao falar sobre o homem-bomba, em coletiva de imprensa, o próprio diretor-geral da PF disse, na última quinta-feira, que a lei poderia passar por melhorias, apesar de ter caracterizado o texto como “bom”.
Caso estivesse vivo, Francisco Wanderley poderia responder pelo crime de explosão, previsto no artigo 251 do Código Penal, ou pela tentativa de abolição do Estado democrático de direito. Na avaliação dos especialistas, o mais provável seria o segundo crime, diante do histórico do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) dos réus dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
— Pelo que a gente vê no STF, provavelmente colocariam na tentativa de abolição (do Estado democrático de direito), como foi no 8 de Janeiro. A motivação ali é muito mais contra uma instituição do que discriminação — diz Rafael Paiva, especialista em Direito Penal pela Universidade Metropolitana de Santos.
Enquanto a tentativa de abolição do Estado democrático de direito prevê oito anos de cadeia, terrorismo pode chegar até 30 anos. Outra diferença entre os crimes, ambos inafiançáveis, é que o primeiro pode ser perdoado por anistia do Congresso Nacional ou graça presidencial.
— A pena seria muito baixa. E se ele (Francisco Wanderley Luiz) conseguisse entrar no plenário do Supremo Tribunal Federal e matasse um ministro com a explosão, responderia por homicídio qualificado. A legislação brasileira antiterror é muito fraca. É preciso rever — defende o criminalista Alberto Louvera.
Outro ponto falho apontado pelos juristas são os termos considerados subjetivos usados na lei. O trecho que gera mais incômodo entre os especialistas é o que afirma que atos terroristas seriam aqueles que “provocam terror social”, sem especificar quais seriam essas ações.
Professor de Direito Penal na Universidade do Estado do Rio (Uerj), Christiano Falk Fragoso afirma que esse vácuo pode estar ligado a uma ausência, até então, de episódios terroristas no Brasil, o que torna a discussão recente.
— A quantidade de atuações terroristas são tantas que não dá para prever, mas a lei não poderia ser tão vaga. Um caso como este pode estimular a revisão da redação. Não havia histórico deste tipo de ato no Brasil. Agora cabe reformular a legislação — avalia.
Francisco Wanderley Luiz concorreu em 2020 a uma vaga na Câmara Municipal de Rio do Sul (SC) pelo PL. Nas redes sociais, o homem-bomba fazia postagens com ataques ao STF. Em uma delas, publicou uma foto no plenário da Corte e escreveu que “deixaram a raposa entrar no galinheiro”.
Ainda nas redes sociais, Francisco postou recentemente ameaças a autoridades e um possível aviso sobre as explosões de quarta-feira. Em uma das imagens, ele diz que a PF tem “72 horas” para “desarmar a bomba”. Em outra, o homem cita o dia 13 de novembro, quarta-feira, e fala em “grande acontecimento”.
Apoiador de Jair Bolsonaro, Francisco radicalizou o discurso após a derrota do ex-presidente nas urnas em 2022. Foi nessa época que, na cidade natal, passou a frequentar manifestações golpistas que antecederam o 8 de Janeiro.
Em outros países
Ao analisarem a não previsão da motivação política na lei brasileira, os juristas citam casos ao redor do mundo em que os cenários se diferenciam, em especial em países que já passaram por ataques terroristas.
Nos EUA, a invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, após derrota nas urnas de Donald Trump, foi caracterizada como “terrorismo doméstico”. A classificação diz respeito a “atos criminais cometidos para promover objetivos ideológicos de influências locais”.
Já na Alemanha, após a ascensão do nazismo, a legislação é extensa contra discursos de ódio. Além de estar previsto no Código Penal, o terrorismo é objeto de uma série de leis. No país, grupos extremistas são monitorados pelo Escritório Federal de Proteção da Constituição. Reino Unido e França seguem a mesma linha. A lei de terrorismo britânica prevê ações de cunho político, e o Código Penal francês define o crime como “perturbar gravemente a ordem pública por razões políticas, ideológicas ou religiosas”.