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DE REPENTE APARECE A “DONA” DE UMA DAS ÁREAS MAIS VALIOSAS DO BRASIL

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‘Quem em sã consciência não iria reivindicar’, questiona sobrinho de mulher que se diz dona de mais de 80% de Jericoacoara
Na vila, o turismo movimenta quase R$ 1 bilhão por ano. O valor do m² em Jeri pode chegar a R$ 12 mil, semelhante a Paris ou Milão.
Por Fantástico

27/10/2024 19h53 Atualizado há 11 horas

Ex-mulher de fazendeiro se diz dona de 80% da Vila de Jericoacoara

Uma polêmica vem abalando o sossego de Jericoacoara, um paraíso turístico no Ceará. A viúva de um fazendeiro afirma que é dona de 81% das terras de Jeri, como a vila é chamada. Iracema, uma senhora de 78 anos, conseguiu de forma legal o direito a uma parte dos terrenos, avaliados em centenas de milhões de reais. Moradores e empresários foram surpreendidos e dizem que nunca viram Iracema em Jeri.

Em Jericoacoara, o turismo movimenta quase R$ 1 bilhão por ano. O valor do m² em Jeri pode chegar a R$ 12 mil, semelhante a Paris ou Milão. A vila de Jeri começou a ser habitada por pescadores no começo do século XX, segundo a moradora mais antiga, de 104 anos. Na década de 1970, chegaram os primeiros forasteiros.

Nessa mesma época, os destinos de Jeri e de Iracema – a mulher que diz ser dona de uma grande propriedade – se cruzariam. Em 1983, o fazendeiro José Maria Machado comprou terras na região. Ele plantava caju. José Maria era marido de Iracema. Na única foto que sua família deu ao Fantástico, do começo dos anos 1980, o casal aprecia a vista de Jeri.

O fazendeiro José Maria Machado e a então mulher, Iracema, em foto do início dos anos 1980 — Foto: Fantástico/ Reprodução
O fazendeiro José Maria Machado e a então mulher, Iracema, em foto do início dos anos 1980 — Foto: Fantástico/ Reprodução

Em 1987, o jornal americano “Washington Post” publicou uma reportagem sobre Jeri, dizendo que era uma das cinco praias mais lindas de todo o planeta. O governo do Ceará decidiu desenvolver a região como destino turístico. O Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará, o Idace, regularizou a vila entre 1995 e 1997.

Em 1995, José Maria e Iracema se divorciaram, e na separação, a ex-mulher ficou com terras na região, entre elas, a fazenda Junco 1. Mas Iracema nada fez com a fazenda. Com a terra regularizada pelo Idace, os estrangeiros começaram a comprar terras e a investir na vila. Criaram hotéis de luxo, restaurantes, pousadas, e Jeri foi prosperando.

Paraíso turístico e patrimônio público: entenda como empresária reivindicou posse de mais de 80% das terras de Jericoacoara após 40 anos
Paraíso turístico e patrimônio público: entenda como empresária reivindicou posse de mais de 80% das terras de Jericoacoara após 40 anos

Saiba mais
Em 2022, um advogado contratado pela família de Iracema encontrou uma brecha na regularização. O decreto do Idace dizia que, se alguém tivesse uma escritura da área, poderia reivindicá-la. E foi isso que Iracema fez.

Documentos apresentados por ela mostram que a ponta da fazenda Junco 1 compreendia 81% do que é hoje a vila de Jeri. Ela moveu um processo cedendo as áreas ocupadas, com matrículas feitas até 2022, mas exigia a posse das áreas que sobraram.

Documentos apresentados por Iracema mostram que a ponta da fazenda Junco 1 compreendia 81% do que é hoje a vila de Jeri — Foto: Fantástico/ Reprodução
Documentos apresentados por Iracema mostram que a ponta da fazenda Junco 1 compreendia 81% do que é hoje a vila de Jeri — Foto: Fantástico/ Reprodução

A Procuradoria Geral do Estado analisou o caso, reconheceu que as terras eram dela e fez um acordo extrajudicial. A família aceitou ficar com 19 terrenos.

“Olha o que a gente conseguiu: em torno de 4%. A gente conseguiu diminuir muito. Caso o acordo não fosse celebrado e essa família resolvesse discutir judicialmente, todas essas pessoas que ali estão poderiam ser prejudicadas. Não há dúvida nenhuma sobre a legitimidade tanto da matrícula quanto do acordo”, afirma Rafael Machado Moraes, procurador-Geral do Estado do Ceará.
A Procuradoria Geral do Estado analisou o caso, reconheceu que as terras eram dela e fez um acordo extrajudicial. A família aceitou ficar com 19 terrenos — Foto: Fantástico/ Reprodução
A Procuradoria Geral do Estado analisou o caso, reconheceu que as terras eram dela e fez um acordo extrajudicial. A família aceitou ficar com 19 terrenos — Foto: Fantástico/ Reprodução

Mas que terras são essas que o governo do estado concordou em entregar a Iracema por entender que são de sua propriedade? São áreas que ficam entre o perímetro urbano da vila de Jeri e o mar, entre pousadas e hotéis estabelecidos na região há muitos anos e a vista, uma das mais lindas do Ceará e, por que não, do Brasil? Se negociados, esses terrenos valem centenas de milhões de reais.

“Esse acordo nos causou extrema apreensão pela celeridade. Eu posso enxergar ali um empreendimento que está sendo construído, um investimento muito grande e que, agora, do dia para a noite, passa a ter um vizinho na frente que tira a vista toda”, diz Marcelo Laurino, diretor do Conselho Empresarial de Jericoacoara.
O Conselho de Moradores só tomou conhecimento do acordo há duas semanas. O documento foi assinado em maio de 2024. Eles descobriram quando tentaram adquirir um dos 19 terrenos, mas não conseguiram.

Iracema Correia São Tiago, que afirma ser dona das terras da vila de Jericoacoara, recusou o pedido de entrevista do Fantástico. Mas o sobrinho dela, que representa a família, recebeu nossos repórteres em Fortaleza.

Repórter: Vocês diriam que a família de vocês é dona de Jericoacoara?
Samuel Machado, sobrinho de Iracema: Sim, em 80% dela.
Repórter: Por que vocês procuraram reaver essas terras agora?
Samuel: Em 95, quando tia Iracema se separou do tio Zé, ela não tinha entendimento das terras, de nada.

A família de Iracema diz que, no início dos anos 2000, procurou orientação jurídica sobre as áreas da vila de Jeri, mas que os advogados na época disseram que não havia o que fazer, que o prazo para contestação tinha expirado.

Samuel: Tivemos uma nova opinião agora em 2022.
Repórter: Muitas pessoas em Jeri dizem que nunca viram Iracema, nem ouviram falar dela. Por quê?
Samuel: O tio Zé ia às fazendas para trabalhar, ele nunca levava a família.
Repórter: Eu gostaria de saber por que a senhora Iracema não pode falar com a gente?
Samuel: A tia Iracema é uma senhora de 78 anos de idade. Ela é reclusa.
Repórter: Como é que ela está diante dessa confusão toda?
Samuel: Abalada. Se nós não tínhamos o direito de reivindicar nossas áreas, e o direito foi dado de volta, quem em sã consciência não iria reivindicar o seu direito?

O atual prefeito de Jijoca de Jericoacoara, município onde fica a vila, informou que não fez parte do acordo. O prefeito eleito disse que não vai liberar nenhuma obra nos terrenos de Iracema.

“Não será feito desmembramento dessas áreas por parte do município autorizado por cartório, como também não será feito nenhum tipo de liberação de alvarás”, afirma Leandro Cézar, do PP, prefeito eleito de Jijoca de Jericoacoara.

A Procuradoria-Geral do estado deu até o dia 4 de novembro para o Conselho de Moradores apresentar questionamentos. O Conselho de Moradores e o de empresários pretendem derrubar o acordo na Justiça.

Na sexta-feira (25), o Ministério Público recomendou a suspensão do acordo, considerando que há muitos pontos a serem esclarecidos, inclusive o próprio tamanho da fazenda Junco 1.

“Nós temos a certeza do bom direito do nosso cliente. Toda a documentação que ampara, de todos os estudos técnicos que foram realizados”, afirma Anderson Lamarck, advogado de Iracema.
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